Nos últimos 20 anos eu assisti a duas apresentações via YouTube de dois profissionais que me inspiram e que fizeram muita diferença no mundo, falando sobre um tema comum: a Morte. Foram eles Steve Jobs e Tom Keley.
O primeiro, falava do valor da renovação que a morte oferece, o segundo falou da preocupação de deixar alguém que se ama, sem que se possa fazer algo.
Mas o ponto do discurso de ambos que me chamou mais a atenção, foi reforçado por uma experiência que passei no finalzinho de 2014, 30 de dezembro, sendo específico, quando fui submetido a uma cirurgia que deveria ter sido simples para corrigir uma fratura de mandíbula: o procedimento ficou complexo no meio do caminho, vulnerabilidade e reação.
À parte detalhes de minha cirurgia, ambos dizem mais ou menos isso: você já está nu, seu sobrenome pessoal e/ou institucional não fazem qualquer diferença e já não depende mais apenas de você.
Tom Keley é ainda mais cruel, talvez por ser um pouco mais humano, ele tem aquele olhar de Experiência de Usuário, e foi além: “você está cercado por outras pessoas também de camisola e bunda de fora, algumas amareladas e outras acinzentadas e sabe que boa parte delas talvez não saia viva de lá; não sei se eu sairei”.
Curioso, mas meu caso sendo muitíssimo mais simples que o deles inspirou a mesma sensação e parte da reação: o que eu posso fazer para sobreviver a isso?
Tive uma recuperação fora do padrão segundo os médicos, talvez pela vontade de sair rápido do hospital, vontade de passar o reveillon em casa, ainda que longe dos meus filhos e neta, mas em casa. Talvez porque fora de lá eu me sentisse com uma primeira de algumas vitórias que teria de travar por pelo menos 18 meses, talvez porque a noção de tempo e de importância das coisas ficou um pouco distorcida em relação a antes da anestesia geral (aliás como isso é bom, foi minha primeira vez!).
Corro o risco de fazer apenas mais um discurso afetado pelo medo natural de situações desse tipo, e/ou efeito residual da anestesia geral (não pretendia tomar outra tão rápido, mas é uma coisa muito boa! E sim, menos de 2 anos depois, por duas vezes, outro acidente bobo), mas serviu para reavaliar algumas coisas que fiz e tenho ainda feito no passado recente.
Eu confesso que de uma certa forma me divirto quando alguém me diz "Humberto, queria ser igual a você, não ter problemas e estar sempre brincando e rindo!" Me divirto, porque essa imagem é positiva e talvez inspiradora, e me divirto também porque trata-se de um equívoco tamanho Allianz Park. Na verdade eu não vivo minha vida em cima da auto-flagelação por conta de eventos ou pessoas que me magoaram, chatearam ou de eventos que não saíram como previsto, o nome disso é Vida.
É óbvio que tenho problemas, igual a todo mundo, e aliás alguns foram muito, mas muito maiores que a média. Apenas aproveitei para aprender com eles, e se tiver que errar de novo, cometerei erros novos e não repetirei os antigos.
Eu poderia fazer uma lista (grande) das coisas que aprendi com erros, resultado de problemas que enfrentei e seria uma das coisas mais chatas de se ler, mais ainda que esse texto longo.
Vou falar apenas de um: em 1991, no auge da crise econômica mundial, perdi o emprego, e demorou pouco mais que a reserva no banco para encontrar um novo.
Um dia cheguei em casa com essa mania de tripudiar o destino e disse à ex-esposa (Aparecida Delatin)
- Olha hoje estou feliz!
Ela imaginando que eu tivesse endoidado de vez, me pergunta:
- Porque?
- Batemos no fundo do poço; a gente tá tão mal, mas tão mal, que não tem como piorar; qualquer coisa que aconteça só pode ser melhor que hoje.
Olha, não gosto de dar conselhos, a não ser esse: Jamais, mas jamais mesmo diga essa bobagem, a coisa pode sim sempre ser pior (ou melhor), depende de tantas variáveis, e muitas não controlamos. Na mesma semana, eu ainda sem emprego e sem convênio médico recebo a notícia de que meu filho sofreu um acidente durante um treino. Ele teria de se submeter a uma operação de urgência.
Os detalhes são muitos, e resumindo, conseguimos e foi sucesso, mas junto com o alívio do sucesso, os caprichos do acaso, ele herdou algumas coisas bem interessantes de mim, entre elas a alergia a Dipirona, aquela coisinha que faz a dor mais intensa diminuir.
Acabada a operação, as dores que ele sentia eram muito intensas e eu podia ouvir do corredor do hospital ele reclamando daquela dor.
Como ele não parava, eu não consegui ir embora e avisei em casa que ficaria mais um pouco mas por lá.
Não tinha autorização para entrar no quarto, mas do lado de fora do hospital, da calçada, perto de onde deveria ser o seu quarto, eu ouvia ele reclamando da dor que o paracetamol não diminuía. Só fui para casa quase quando amanhecia, depois que eu percebi que ele não reclamava mais havia quase uma hora.
Acho que eu nunca contei essa história em casa, nem mesmo para ele, e não queria que minha ex esposa se sentisse tão impotente quanto eu me senti durante as quase 8 horas que fiquei lá plantado, chorando junto.
Porque eu estou falando disso, misturando tudo como no Samba do Crioulo Doido do Stanislaw PontePreta?
Bom, há uma crença antiga de que a dor purifica a alma e molda o caráter, e de que o sofrimento nos mantém paralisados. Escolha encarar a situação e pensar em como pode resolver, não seja do tipo de pessoa que fica feliz quando declara para o mundo a sua infelicidade, infortúnio, dor ou sofrimento, mas também não faz nada para mudar.
Não controlamos tudo ao nosso redor, mas podemos pensar em termos de pró-ação, ou seja estabelecer os planos de contingência até mesmo para o pouco provável, sem deixar-se levar pela neurose, refiro-me exclusivamente a planejamento.
Pense nas pessoas. Eu sou de certa forma egoísta, não egoísta do mal, movido pela ambição, mas o egoísta que esconde sentimento, como se fosse sinal de fraqueza. Não sou crítico de recursos tecnológicos e acho uma chatice sem fim pessoas que criticam as maquininhas bacanas da modernidade de qualquer tempo.
Para esses recomendo voltar às cavernas, dormir no chão e jamais comprar em supermercados. Ao mesmo tempo penso que podemos dosar um pouco o quanto passamos com a cara enfiada em coisas retangulares brilhantes nos bolsos e bolsas, e interagir mais com quem está por perto.
As coisas podem sim piorar ou melhorar, e parte disso depende de você. Veja o que depende, veja o que pode previnir (pra não piorar) e o que pode começar a fazer já, para melhorar.
Em tempo, minha vida não é muito diferente da sua. Eu sou bem normal, previsível e de uma certa forma chato, mas adoro estar vivo. Sei que tenho bastante contribuições ainda para a família, para a sociedade e um pouquinho para a educação, e isso me deixa muito, mas muito feliz mesmo.
Talvez o motivo de eu estar sempre rindo e brincando, que na pior das hipóteses inclusive faz parte do meu ofício de profissional de criatividade e inovação, é saber que ainda tenho tempo (prometo não entrar na discussão do tempo de Blade Runner), é saber que posso interagir com as pessoas ao redor, ou via tecnologia - a pandemia comprovou minha crença anterior - fazendo com que minha voz e pensamentos possam se multiplicar, inspirar, provocar, e que as coisas podem ser melhores, sem necessariamente terem de ter chegado ao pior de tudo para isso.
Faça sua escolha. Siga em frente. Seja Feliz!